A contribuição essencial do livro A Descida para a Fama, de Sabine Kebir

Trechos do livro "A Descida Para a Fama", de Sabine Kebir:

 

Brecht/Weigel

...” E assim foi também o caso de Helene Weigel. Com a diferença de que a Weigel compreendeu e aceitou desde o princípio a notória existência polígama de Brecht como algo provavelmente imutável. Em comparação com Paula (Banholzer, mãe de Frank) e Marianne (Zoft, mãe de Hanne), ... ela tinha a seu favor a vantagem nada desprezível de que ele assumia diante dela seus outros relacionamentos mantendo-a informada também sobre sua seriedade. Aparentemente, com ela ele se sentia livre da obrigação pequeno burguesa de fidelidade.”

“ De onde Weigel tirava sua força e tolerância? As suas raízes estão na influência vinda do meio vienense em torno de Eugenie Schwarzwald. Ela e Karin Michaelis eram integrantes do grande movimento de liberação sexual já iniciado na metade do século anterior e que havia encontrado importante comprovação clínica com Sigmund Freud”.

Weigel, nos anos 20: “Judia, vienense, literata, bolchevista”. Cabelo curto, fumante.

Quando teve a notícia da gravidez de Helene, .....“Brecht interrompeu suas férias, deixou Marianne (Zoft) em Capri e encontrou-se com Weigel em Florença no final de abril. Ela decidiu ter o bebê. (Stephan. Mais tarde teria também Bárbara).

“E seria sempre assim....Ele travou com essa mulher um relacionamento muito raro entre casais: um relacionamento baseado na renúncia ao direito de posse. E no respeito expresso pelos relacionamentos mantidos com outros.”

“A decisão de Weigel de ter o bebê fora também uma decisão de mantê-lo com o seu próprio dinheiro”.

“Nenhuma fonte explica por que Brecht e Weigel resolveram se casar conforme os padrões burgueses no dia 10 de abril de 1929...”

“No dia 28 de outubro de 1930, nasceu o segundo bebê de Weigel e Brecht, a sua filha Bárbara.”

 

Marxismo

“O marxismo de Brecht não era como a maioria dos comunistas alemães da época, ou seja, o “materialismo dialético” filtrado pelos livros soviéticos....ele se servia direto da fonte, ou seja, lera desde 1926 os próprios Marx e Lênin ...o resultado foi um marxismo original que, contrariamente ao oficial do partido, continuou tendo sua base na democracia.”

Para Helene Weigel: “O interesse dela pelo movimento operário real era sem dúvida maior do que o seu interesse pela teoria marxista”

 

“A Mãe”:

Weigel relata: “Na verdade, Brecht só mudou sua opinião sobre mim como atriz em 1932, quando se iniciaram os testes para A Mãe: o humor, a ternura, a simpatia, tudo isso nós descobrimos no papel da Wlassowa. Foi uma surpresa também para Brecht”.

Provavelmente os dois se deram conta não apenas das novas perspectivas que se abriam para o seu talento, mas também do significado dramatúrgico de sua descoberta. Se, como dissera Lênin, as cozinheiras tivessem que aprender a dirigir uma peça, elas também teriam que atuar em papéis principais.

O caminho da futura estreita colaboração entre Weigel e Brecht fora finalmente descoberto. Os próximos trabalhos de Brecht passaram a ter protagonistas marcantes...A iniciativa de trazer subalternos e marginalizados para o brilho dos papéis principais certamente demandava uma enorme ousadia política e dramatúrgica.

Aproximadamente 15 000 operárias berlinenses devem ter visto a peça, em 1932. Com o papel de A Mãe, para a atriz Weigel a voz baixa  superou a voz alta de uma vez por todas.

 

O Exílio

Os interesses comuns (de W e B) devem ter sido muito fortes. Pois a simbiose artística completou-se nesta época inicial do exílio...

Outras mulheres, Margareth Steffin e Ruth Berlau, entraram na vida de Brecht como colaboradoras e amantes...No exílio tornou-se mais difícil, às vezes impossível, estabelecer distâncias, como por exemplo foi possível para Elisabeth Hauptmann, que havia criado para si uma esfera existencial própria.

Quando Weigel tomou consciência de que Steffin se tornara amante de Brecht, seu relacionamento com Brecht  entrou pela primeira vez numa profunda crise. Não só o relacionamento amoroso, mas também a doença (tuberculose) de Steffin foi para Weigel um motivo importante para pensar em separação. O temor, principalmente em relação aos filhos, era justificável.

Uma separação não seria fácil de acontecer devido à incerteza da situação política e do seu próprio trabalho. ...a ruptura foi adiada. O incêndio do Reichstag em 27 de fevereiro de 1933  foi imputado aos comunistas, e precipitou a fuga e o exílio.

 

Fascismo e Comunismo

Os movimentos emancipatórios que o fascismo queria aniquilar, foram designados como “bolchevismo cultural judeu”, o qual de modo algum se atribuía apenas aos judeus  ou intelectuais simpáticos ao comunismo. Para o fascismo, tratava-se igualmente da destruição da democracia. Destruíram-se, na queima de livros em 10 de maio de 1933, não apenas as obras de Brecht, mas também as de Thomas Mann, como “estranhas à raça”, ou seja, anti-alemãs.

Como intelectual, Weigel judia e artista, era adepta de concepções laico-universalistas.

Em junho de 1935, Brecht perdeu a cidadania alemã, Weigel e seus filhos, em junho de 1937. Também em anos posteriores haveria muito poucas possibilidades profissionais que ela poderia aproveitar, Weigel ficou, na prática, totalmente presa ao papel de mãe e dona de casa durante o exílio....a respeito de sua situação como atriz desempregada repelia qualquer sentimento de compaixão.

Sua filha Bárbara confirma que  Weigel “como mãe, foi uma supermãe”. Também Brecht seria “um pai de fim de semana excepcional – portanto nem sempre presente. “Mas amava muito seus filhos, muito mesmo”.

Carta a Piscator  em 18 de janeiro de 1937: “Querido Erwin, peço encarecidamente seu conselho e sua ajuda. Quero ir à Espanha, mas não consigo enxergar se há trabalho lá para mim. O que você acha, o que vai fazer, pode fazer alguma coisa por lá e pode precisar de mim?”.....E em fevereiro de 1937: “ ...peço a você continuar a pesquisar...Estou até aqui de minha existência idiota.”

 

Carrar

Carrar foi o primeiro grande papel de mãe escrito especialmente para Weigel.

Um jornal parisiense sobre  a encenação de Os Fuzis: Helene Weigel teria  “transfigurado tudo que é esquemático em relação à personagem de maneira humana. Sua representação é vida verdadeira e em cada palavra, cada gesto, cada respiração, de uma interioridade transparente.....Ela é muito silenciosa, um pássaro atemorizado...”

Os gestos de Weigel, estranhos por seu hiper-realismo - portanto, provocando estranhamento e distanciamento – atingiram nas apresentações de Carrrar  de 1937 e 1938 uma nova dimensão e disciplina. Isto pode ser compreendido em correlação com a vivência de Brecht relativa ao ator (chinês) mundialmente famoso da época, Mei Lan-fang, em março de 1935, em Moscou.

Hoje mal se pode compreender que estas adaptações de Breche e Weigel a partir da arte dramática chinesa representaram dentro do mundo socialista – na época, apenas a União Soviética – um fator político associado à disputa pelo formalismo....e foram assim antípodas do teatro de Stanislawski, canonizado como arte do Estado.

 

Áustria invadida

Depois que, em 12 de março de 1938, tropas alemãs invadiram a Áustria, Eugenie Scharzwald fugiu para a Dinamarca, para junto de Karin Michaelis.

A partir de então, Weigel foi ficando cada vez mais nervosa, preocupava-se com seu pai. Insistia que viesse para a Dinamarca....A filha, perplexa, soube que o pai fora surrado por nazistas numa famosa rua de Viena. Em 1941 foi deportado para o gueto de Litzmannstadt.

Um dia após a invasão, plebiscitos na Alemanha e na Áustria legitimaram a anexação. Supostamente, 99% votaram a favor.

Brecht  concebeu as cenas de Terror e Miséria no Terceiro Reich. A ideia para a cena mais significativa, A Mulher Judia, parece ter sido baseada em Weigel.

Com o apoio da associação de proteção a escritores alemães, foi possível encenar a sequência de cenas (oito episódios) em maio de 1938 em Paris. Direção de Slatan Dudow. O texto se chamou na época ainda 99%.

Weigel escreveu: “Querido Bert.....A estreia foi, parece, um sucesso.....Fiquei insatisfeita com o todo, mas funcionou, as pessoas riram muito. Aplaudiram muito após cada peça....Agora Erwin (Piscator) vem me buscar”.

Crítica na imprensa: “A ousadia de uma atuação em prolongada mudez e um monólogo à morte em solidão gelada, qual Weigel consegue como a mulher judia que se sacrifica pelo marido ariano, permite que se glorifique a crença tão abalada na magia da arte dramática”.

Em 1938, as leis de asilo dinamarquesas ficam muito mais rígidas, também quanto ao direito de trabalho. Por isso, Weigel não pôde atuar na encenação dinamarquesa de Terror e Miséria..., em 12 de dezembro de 1938.

 

Peças criadas no Exílio

.....a peça iniciada em 1939, ainda na Dinamarca, Mãe Coragem e seus filhos....

...Shen-Te – papel também escrito para Weigel – a personagem principal da peça A Boa Alma de Setsuan, de 1938...

Ambas as peças apresentam traços de Karen Michaelis.

A eclosão da Guerra Mundial era evidente. A invasão da Dinamarca ocorreria por terra ou por mar? Era preciso preparar uma nova fuga.

Weigel e Brecht foram para a Suécia em 23 de abril de 1939.

Weigel escreve: “Chéri Benjamin (Walter Benjamin), é mesmo urgente que você escreva mais sobre o Galileu...” (A Vida de Galileu, surgida ainda na Dinamarca....)

 

O rádio

Weigel relata em 1959: “O rádio desempenhou um papel muito importante.....para se saber o que está acontecendo....era a primeira coisa que ele (Brecht) a cada nova moradia, colocava sobre a mala que hoje, infelizmente, não existe mais, a mala de soldado, preta, que, eu acho, pertencera à Hauptmann, o rádio era colocado encima dela.”

Ele (Brecht) anotou em seu Jornal que acabou a Coragem entre 27 de setembro e 03 de outubro. (A guerra começara em 01 de Setembro de 1939).

Em 1941 Coragem estreou em Zurique (Suiça) com Therese Giehse no papel de Anna Fierling.

 

Finlandia

...a vigem para a Finlândia já foi uma fuga. .....Brecht, Weigel, Steffin e filhos deixaram a Suécia de navio no dia 17 de abril de 1940....Eles só levaram o que estava sendo trabalhado no momento, ou seja, manuscritos.